Sexualidade e gênero: estudo das relações afetivas de jovens surdas de uma escola municipal de educação especial de São Paulo
Abstract
O presente trabalho investiga práticas, experiências e vivências da sexualidade de jovens surdas, usuárias da língua brasileira de sinais, a Libras. Foram realizadas observações, entrevistas e discussões com dez surdas de 12 a 17 anos, estudantes de uma escola municipal de educação especial (EMEE) de São Paulo, voltada para o atendimento de crianças, jovens e adultos/as com surdez, surdocegueira e outras deficiências associadas. Os dados foram analisados de maneira qualitativa, à luz da abordagem sociológica e dos conceitos de surdez, juventude, sexualidade e gênero. Também foram entrevistadas seis professoras, três agentes escolares e uma inspetora de alunos. O estudo investigou como se constitui a sexualidade dessas estudantes e qual o papel desempenhado pela escola e pela família nesse processo. Foi constatado que as jovens apresentam desinformação, dúvidas e mitos sexuais, alguns muito próximos da realidade de jovens, sejam surdos ou não. Mas elas não têm acesso às informações detalhadas relativas à prevenção das DST/AIDS e aos métodos contraceptivos, em função do desconhecimento da Libras pela maioria da população ouvinte, da falta de acesso a livros e revistas e à internet, da ausência de intérpretes de Libras e das legendas ocultas nos programas de TV. Verificou-se que, apesar da pouca fluência em Libras, as mães das jovens são consideradas por elas pessoas significativas em relação aos valores e informações ligados à sexualidade. Na escola, algumas iniciativas ressaltam os aspectos biológicos da sexualidade e não há um programa sistemático de educação sexual que contemple seus aspectos positivos para além da prevenção. Destaca-se, por fim, que a construção da sexualidade dessas jovens é marcada não só pelo controle e pela tutela do sexo feminino, presente em nossa sociedade, mas pela desigualdade social no seu cruzamento entre gênero e deficiência. As jovens percebem a falta de comunicação que as cerca, tanto decorrente da falta de traquejo com a Libras, quanto advinda do silêncio que marca a discussão sobre o sexo na família e na escola. De algum modo se dão conta e às vezes denunciam essa opressão, ainda que nem sempre localizem suas dificuldades em um quadro mais amplo, com o máximo de porosidade entre as fronteiras criadas entre as pessoas surdas e ouvintes, ou, por que não dizer, com o desmoronamento dessa demarcação.
===ABSTRACT===
This research investigates the practices and experiences of sexuality by young deaf people who use the Brazilian sign language, known as Libras. Includes observation, interviews and group discussions with ten deaf girls 12 to 17 years old, students in special education city school (EMEE) in São Paulo, specialized in serving children, youths and adults who are deaf, blind-deaf or have other related disabilities. Data was analyzed in a qualitative manner, in the light of the sociological approach and the concepts of deafness, youth, sexuality and gender. Six female teachers, three school agents and a students inspector were also interviewed. The study investigated how the sexuality of those students is formed and which is teh role played by the school and the family in this process. A finding was that these young females have misinformation, doubts and myths associated with sex, some are very close to the reality of young people, either deaf or not. But they do not have access to detailed information regarding STD/AIDS prevention and contraceptive methods, due to the fact that most of the hearing population do not know Libras, the lack of access to books and magazines and to the internet, the absence of Libras interpreters and hidden subtitles in TV programs. Despite the little fluency in Libras, the mothers of the young girls are considered by them as significant persons in the relation to the values and information associated with sexuality. In school, some initiatives emphasize the biological aspects of sexuality and there is not a systematic program on sexual education to include its positive aspects that go beyond prevention. Finally, it must be highlighted that the construction of sexuality for these girls is characterized not only by the control and custody faced by females, as usually happens in our society, but also by the social inequality in the crossroads of gender and disability. The girls perceive the lack of communication around them, both arising from the inability to use Libras and resulting from the silence which shapes the discussion about sex in the family and the school. Somehow they realize and sometimes they denounce such oppression, even if they not always see their difficulties in a broader framework, with the maximum porosity between the frontiers created among the hearing and deaf people, or, why should one not say, the crumbling of this line of demarcation.