dc.description.abstract | Há, entre educação e música, uma relação profunda que ultrapassa o ensino da arte. Partindo de uma perspectiva fenomenológica da interpretação e da escuta, encontramos na música estruturas míticas que permitem sustentá-la como chave metafórica para uma compreensão da atividade educacional, mediante a centralidade do ENCONTRO para ambas. A música compartilha com as outras formas de arte a capacidade mobilizadora do imaginário. Sua função simbólica retira-lhe do mundo da linguagem convencional e denotativa; sua manifestação está continuamente prenhe de sentido, desenrolando a expressão de maneira intraduzível na descrição científica. O artista oferece através de seus símbolos um devaneio cósmico, a possibilidade da descoberta de novos mundos que incrementam o Ser de seu interlocutor. Como imagem sonora, a música integra, na arquetipologia antropológica de Gilbert Durand, o conjunto de símbolos que possuem em seu âmago estruturas dramáticas, marcadas pela dialética e pelo ritmo. Acaba por se configurar, portanto, como prática crepuscular e mestiça que atrai para si reflexões variadas sob o eixo da coincidentia oppositorum (coerência dos contrários). Para se efetuar, depende da mobilização dos dois polos psíquicos complementares do animus e da anima, conforme trabalhadas por Gaston Bachelard. Os instrumentos musicais (animus) não passam de potência se não colocados em movimento pelo sopro da anima, pelo envolvimento da sensibilidade devaneante da pessoa. A abertura de um Ser selvagem (Merleau-Ponty) ao arrebatamento da música coloca-o em contato com a própria existência encarnada de quem a produziu: o sentido inaudível de um extrato audível está marcado pela presença do outro neste mundo sonoro que compartilham ouvinte e cantor. A música, assim, permite a comunicabilidade das subjetividades, um diálogo transubjetivo que escancara as vias de acesso do homem ao homem justamente o que de mais fundamental se busca em educação. Nesse sentido, pode-se afirmar que há uma dimensão educativa da música (uma vez que ela colabora para o diálogo, para uma afirmação da humanidade no homem), assim como há uma dimensão musical da educação (a construção de pessoas lentamente talhadas no tempo, a partir de uma consonância propiciada pelo acerto rítmico entre um mestre e um aprendiz). Harmonia, ritmo, ressonância são palavras que, herdadas do universo sonoro, contribuem para a compreensão da docência. Quer-se, pela educação, encontrar um andamento comum que permita transformar o conflito em diálogo e, então, que não se olvide na trajetória de professores e estudantes o fato de que ali, no cruzamento improvável, no tempo de um instante, dois caminhos se encontraram. A partir dessa troca de substâncias, no cuidado de mãos habilidosas e ouvido atento de um mestre, o discípulo edifica sua própria formação. O preparo do professor que espreita o encontro não se limita ao domínio do conteúdo lecionado nem à familiaridade com um arsenal de métodos pedagógicos que exijam que se ponha de lado a pessoa e suas especificidades. É preciso que o mestre saiba escutar o canto de um canto, o sopro do lugar que se inscreve na voz do aprendiz, e que se empenhe em sempre fortalecê-lo no encontro iniciático.
===ABSTRACT===
There is a deep relationship between education and music, one that surpasses the teaching of art. From a phenomenological approach to playing and listening, there can be found mythical structures in music that sustain it as a metaphor for the comprehension of educational activity, through the centrality of an encounter in both fields. Music shares with other forms of art imaginarys mobilizing ability. Its symbolic function withdraws it from the reign of conventional and denotative language; musical manifestation is continuously pregnant of meaning, unveiling expressions impossible to translate in scientific description. With symbols, the artist offers his cosmic reveries to an interlocutor who can discover new worlds that enhance his own Being. Taken as a sonorous image, music belongs to a group of symbols (according to Gilbert Durands anthropological archetypology) that holds dramatic structures in its core, which embeds it with dialectics and rhythm. Therefore, it configures itself as a crepuscular and mixed practice that attracts various reflections through the principles of coincidentia oppositorum (coherence of opposites). To be effective, it depends on the mobilization of two complementary poles of the psyche, animus and anima, as worked out by Gaston Bachelard. Musical instruments (animus) are only potency if not put in motion by a breath of anima, by the involvement of the persons dreaming sensibility. The openness of a Savage Being (Merleau-Ponty) to the enchantment of music puts him in contact with the incarnated existence of its composer: the inaudible meaning of an audible substance is engraved with the presence of an other in this sounding world shared by singer and listener. Music, thus, permit the communicability of subjects, a transubjective dialogue that opens access to man by man precisely what education pursuits as its most fundamental aspect. Accordingly, it can be argued that there is an educational dimension to music (since it favors dialogue and the affirmation of humanity in man), as wells as a musical dimension to education (the construction of persons, slowly carved through time, by a consonance created through a rhythmic agreement of a master and his apprentice). Harmony, rhythm, resonance are all words that, inherited from the universe of sound, contribute to the comprehension of teaching. One hopes to find through education a common tempo that can turn conflict into dialogue this way, throughout the lives of teachers and students, it will not be forgotten that there, in an improbable crossroad, in the fragile time of an instant, two paths met each other. From this exchange of substance, with the caring hands and diligent ears of a master, the disciple builds up his own development. The preparation of a teacher who carefully looks for an encounter is not limited to the mastery of a disciplines content, nor to the familiarity with an arsenal of teaching methods that demands putting aside the real student and his specificities. It is mandatory that the master knows how to listen to the singing of his apprentice, which holds the whisper of his birthplace. Doing so, he will be able to strengthen it throughout this initiatic meeting. | es_ES |