dc.description.abstract | A presente tese busca discutir processos e discursos que operaram na direção da nacionalização da Amazônia em um momento e circunstância específicos: o período da Primeira República brasileira. Para tanto, examinou-se um conjunto variado de textos (ensaios, cartas, relatórios, ofícios, livros, diários, artigos jornalísticos), especialmente os escritos por Euclides da Cunha sobre a floresta, privilegiando-se aqueles produzidos em decorrência de uma viagem oficial feita pelo referido autor em 1905, como chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus, para colher dados acerca da delimitação territorial dessa área. A partir de dados colhidos nesta viagem, o governo brasileiro pretendia mapear o rio Purus em sua trajetória, desde a desembocadura em Manaus até suas cabeceiras no atual Estado do Acre, definindo, com tal mapeamento, as fronteiras noroestes do país em seus limites com a Bolívia e o Peru. A viagem foi patrocinada pelo Ministério das Relações Exteriores da República do Brasil e realizada conjuntamente com uma comissão do governo peruano. A investigação que desenvolvi nesta tese está inscrita no campo teórico dos Estudos Culturais e buscou inspiração, sobretudo, em suas versões latino-americanas. Dessa forma, foi central à pesquisa a consideração nas análises do conceito de hibridação cultural. Através dessa noção, buscou-se ampliar as articulações do estudo focalizado na tese a outros campos de saberes, ao colocarem-se em relação diferentes elementos que parecem ter atuado na invenção de um olhar efetivamente nacional para a Amazônia, naquele momento de inauguração da República. Assim, hibridar a Amazônia que emergia das páginas escritas por Euclides da Cunha refere-se ao ato investigativo de colocar em jogo elementos que muitas vezes poderiam ser vistos como paradoxais ou excludentes em outras perspectivas teóricas. Nessa pesquisa, no entanto, esses são configurados como atuantes, ao mesmo tempo, na instituição da Amazônia como um território nacional. Indico na tese que esteve em jogo neste processo: 1) a necessidade de ir lá ver a floresta com os próprios olhos (olhos muito próprios de um brasileiro com delegação oficial) para poder-se melhor narrá-la; 2) a incumbência oficial de proceder-se a escrituração dos rios desta região, para realizar a demarcação das fronteiras da nação; 3) o enfraquecimento das narrativas estrangeiras de viagem sobre a Amazônia, permitindo a promoção de um “desencantamento” de seu território; 4) a invenção de uma raça nacional tida como capacitada a desencadear a transformação da floresta e sua efetiva integração a um país clamante de progresso, de civilização e de desenvolvimentoeconômico; 5) e o combate ao nomadismo histórico de ocupação do seu território, que mantinha a floresta como desértica de civilização. Considera-se que todos estes aspectos - que articuladamente foram, segundo as análises processadas na tese, colocados em jogo nos textos amazônicos de Euclides da Cunha - operaram na direção de ensinar aos brasileiros daqueles tempos, sobretudo os incrustados no governo brasileiro, como se deveria enxergar a Amazônia, para que ela pudesse civilizar-se, desenvolver-se economicamente e integrar-se à nação. Enfim, nessa “pedagogia” que estava em operação nos textos euclidianos, foi imprescindível instituir um olhar efetivamente nacional, brasileiro, para a floresta.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
This thesis tries to discuss processes and discourses operating towards the nationalisation of Amazonia in a particular moment: in the First Brazilian Republic period. For this, one has examined a various set of texts (essays, letters, reports, official letters, books, diaries, pieces of journalism), especially writings about the forest by Euclides da Cunha, favouring those produced as a consequence of an official travel he made in 1905 as the head for the High Purus Recognition Brazilian Commission to collect dada on the demarcation of this area. From the collected data on this travel, Brazilian government wanted to map river Purus from its mouth in Manaus to its fountainheads in the current State of Acre, establishing with this mapping the northwest boundaries in the country on the border lines with Bolivia and Peru. The travel was sponsored by the Ministry of Foreign Affairs of the Republic of Brazil and accomplished together with a commission of the Peruvian government. The inquiry I have made for this thesis is included in the Cultural Studies theoretical field, and has derived inspiration, above all, from Latin American strands. Thus considering the analyses of the concept of cultural hybridisation has been central for the research. With this notion in mind I have sought to broaden the study focus in this thesis to other fields of knowledge, by placing together different elements that seem to have played a role in the invention of a really national gaze for Amazonia, on that moment of inaugurating the Republic. Thus, hybridising the Amazonia emerging from Cunha’s writings refers to the investigative act of bringing into play elements that frequently might be seen as paradoxical and exclusive in other theoretical perspectives. In this research, however, those are shaped at the same time as acting in Amazonia’s establishment and as a national territory. In this thesis I suggest that the following were at stake: 1) the need to go up there and see the forest with his own eyes (particular eyes of an official Brazilian) to narrate it more adequately; 2) the official charge of mapping rivers in this region to demarcate the nation’s border lines; 3) the weakening of the travel foreign narratives about Amazonia, which also have acted on ‘disenchantment’ for the territory; 4) the invention of a national race taken as enabling a transformation of the forest and its effective integration into a country calling for progress, civilisation and economic development; and 5) the fight against the historical nomadism in the settlement of the area, which would keep the forest as a wasteland. One considers that all these aspects ― which, in an articulated way, according to the analysis processed in the thesis, were brought into play in 10 Cunha’s texts about Amazonia ― have worked towards teaching the Brazilians of those times, especially those from the Brazilian government, how they should see Amazonia so that it could be civilised, economically developed and integrated to the nation. Finally, in this pedagogy working in Euclidian texts, it was essential to establish an effectively national, Brazilian gaze for the forest. | en_US |