Mídia e consumo na produção de uma infância pós-moderna que vai á Escola
Abstract
Portuguese Nesta tese entende-se que a infância é uma construção cultural, social e histórica, sujeita a mudanças. Inscrita em uma matriz de inteligibilidade que vê a contemporaneidade marcada por condições peculiares, imbricadas e implicadas naquilo que tem sido amplamente conhecido como cultura pós-moderna, considerase que grandes transformações têm alterado a forma de estarmos no mundo. Supõese que as condições culturais contemporâneas produzem infâncias distintas da infância moderna − ingênua, dócil, dependente dos adultos − e modificam as formas das crianças viverem esse período tido como próprio delas. Vivemos um estado da cultura, com implicações contundentes da mídia e do consumo, que tem se configurado de forma diferente daquele da modernidade e produzido sujeitos distintos dos sujeitos modernos. Esta tese tem como um de seus objetivos dar visibilidade às crianças pobres que freqüentam algumas escolas no município de Porto Alegre nesse início do século XXI. Procura-se realizar uma das leituras possíveis de como os sujeitos infantis das escolas estudadas vivem a infância sob as condições culturais pós-modernas, e apontar a produtividade dessa cultura no delineamento de um determinado tipo de infância, que se opta por chamar de “infância pós-moderna”. Busca-se mostrar como as crianças pobres das escolas estudadas são produzidas, formatadas, fabricadas pela mídia e pelo consumo, configurando novos modos de ser criança e de viver a infância. Pretende-se também colocar sob tensão as imagens convencionais e modernas de infância com que muitos professores persistem trabalhando na contemporaneidade. Para isso, optou-se tanto por lançar mão de estudos de autores que tratam de descrever, interpretar e problematizar a condição cultural pós-moderna, como daqueles que realizam análises culturais sobre as infâncias. Para o estudo das condições culturais pós-modernas, foram também coletados, e considerados para compor o corpus de análise, artefatos que integram a cultura circulante da mídia e do consumo como reportagens, comunicações publicitárias, imagens de crianças, diferentes produtos direcionados à infância, etc. Para dar visibilidade às conexões entre as crianças das escolas estudadas e a cultura pós-moderna foi realizado um inventário de artefatos e práticas presentes nas escolas, registrou-se em fotos e em anotações no diário de campo situações, conversas com crianças e professoras, bem como foram coletados desenhos e textos produzidos em sala de aula. Tanto os materiais coletados nas escolas, como os coletados fora delas, ajudaram a compor e a expor um panorama das condições culturais pós-modernas, e contribuíram para o objetivo de mostrar uma infância pós-moderna que vai à escola. Ao visibilizar e analisar as formas como as crianças pobres das escolas estudadas vivem a infância e constituem-se como alunos, foi possível perceber umaconsonância com as configurações culturais do mundo contemporâneo. Visibilidade, efemeridade, ambivalência, fugacidade, descartabilidade, individualismo, superficialidade, instabilidade, fazem parte de suas vidas. Observou-se, nas escolas estudadas, um modo de ser criança que busca infatigavelmente a fruição e o prazer e, nessa busca, borra fronteiras de classe, gênero e geração. Um modo de ser criança que procura incansavelmente inscrever-se na cultura globalmente reconhecida e fazer parte de uma comunidade de consumidores de artefatos em voga na mídia do momento; que produz seu corpo de forma espetacular para que ele esteja em harmonia com o mundo das visibilidades; que se caracteriza por constantes e ininterruptos movimentos e mutações. São crianças que vão se tornando o que são, vivendo sob a condição pós-moderna. Tais crianças provocam desestabilização das pedagogias, causam inquietações, minam o pensamento binário, porque não é mais possível classificá-las, cartografálas, enquadrá-las nos lugares tradicionalmente designados para infantis e para escolares. São polivalentes, podendo ser de diferentes e distintas formas ao mesmo tempo e, no momento seguinte, já possuírem outras formas, antes mesmo que seja possível conhecê-las e apreendê-las. Crianças pós-modernas são um desafio para a educação escolarizada porque não permitem o estabelecimento de uma ordem e a elaboração de planos a longo prazo.
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In this thesis, childhood has been understood as a cultural, social, and historical construction, subject to changes. Inscribed in an intelligibility matrix that sees contemporaneity marked by peculiar conditions that are intertwined and implied in something that has been widely known as post-modern culture, big transformations have altered the way we are in the world. It has been supposed that contemporary cultural conditions have both produced childhoods that are distinct from the modern childhood – naïve, docile, dependent on adults – and modified the ways children experience this period seen as theirs. We live in a state of culture, with incisive implications of media and consumption, which has shown a different configuration from that of modernity and produced subjects that are distinct from the modern subjects. One of the objectives of this thesis is to give visibility to poor children that have attended some schools in Porto Alegre in the beginning of the twentieth-first century. I have attempted both to undertake one of the possible readings of how infantile subjects from those schools have lived childhood under post-modern cultural conditions, and point out the productivity of this culture to delineate a certain type of childhood, which has been called “post-modern childhood”. I have shown how poor children from those schools have been produced, formatted, made by the media and consumption, thus forming new modes of being a child and living childhood. The thesis has also intended to tension conventional and modern images of childhood with which many teachers have persisted to work in contemporaneity. To do so, I have used studies produced by authors that have described, interpreted, and problematized the post-modern cultural condition, as well as authors that have culturally analyzed childhoods. For the study of post-modern cultural conditions, I have also collected and considered as corpus the artifacts that integrate the media and consumption culture, such as reports, advertising communications, pictures of children, different children-oriented products, etc. In order to give visibility to connections between children from the schools studied and the post-modern culture, I have made an inventory of artifacts and practices found in the schools; I have documented situations, conversations with children and teachers with photographs and notes in my field notebook; and I have collected drawings and texts produced in the classroom. Both materials collected in school and the ones collected outside have helped me to compose and expose an overview of post-modern cultural conditions, and have contributed towards the objective of showing a post-modern childhood that attends school. On visualizing and analyzing the ways poor children from the schools considered in this study have lived their childhood and constituted themselves as students, it is possible to perceive a consonance with cultural configurations of the contemporar world. Visibility, ephemerality, ambivalence, fugacity, disposability, individualism, superficiality, and instability are integral parts of their lives. I have observed in the schools a way of being a child that has indefatigably searched for fruition and pleasure and, in this search, has blurred the boundaries of class, gender, and generation. A way of being a child that has tirelessly searched to be inscribed in the globally acknowledged culture and belong to a community of consumers of artifacts currently in vogue in the media; that has produced their bodies in a spectacular way so that it is in harmony with the world of visibilities; that has been characterized by constant and ongoing moves and mutations. They are children that have become who they are, living under the post-modern conditions. Such children have provoked unstableness of pedagogies, caused uneasiness, undermined the binary thought, because it is no longer possible to classify them, chart them, frame them in places traditionally assigned to children and school students. They are polyvalent, and may show different and distinct forms at the same time, and in the next instant they can acquire other forms, even before it is possible to know them and apprehend them. Post-modern children have been a challenge to school education, since they do not allow for the establishment of an order and the elaboration of long-term planning.