dc.description.abstract | As políticas sociais de educação e saúde constituem campos de ação e conhecimento de relevância pública e estratégica, tendo em vista seus reflexos na qualidade de vida da população brasileira. Como direitos sociais, expressam disputas políticas e são instâncias de intervenção direta do poder público estatal e da sociedade, no entrecruzamento das necessidades sociais, demandadas pela população, e suas formas de atendimento e custeio, geridas pelo Estado. A escola e os programas de saúde são instrumentos de execução direta destas políticas, tendo como principal função torná-las acessíveis à população, por meio de seus serviços. Na tese estudam-se as relações interinstitucionais estabelecidas entre o Programa de Saúde escolar e as escolas do município de Porto Alegre nas configurações de suas demandas por atendimento e em seus fluxos de encaminhamento. Procurou-se conhecer os critérios e suas respectivas racionalidades ideopolíticas pelas quais as escolas definem as situações de vulnerabilidade escolar e encaminham seus alunos para o atendimento junto à rede, neste estudo, representada pelos Núcleos de Atenção à saúde da criança e do adolescente, Nascas. Utilizou-se a triangulação de fontes para a produção de dados (pesquisa documental, entrevistas coletivas e configuração de perfis) e, como estratégia analítica, o cruzamento de dados qualitativos e quantitativos por meio da análise de conteúdo e de indicadores de desempenho escolar. O estudo abrangeu os oito Nascas distritais de Porto Alegre, por meio de entrevistas coletivas com seus técnicos. A análise de conteúdo dos encaminhamentos das escolas, bem como a elaboração dos perfis escolares, foi realizada em um Núcleo selecionado como recorte amostral. As múltiplas metamorfoses pelas quais a saúde e a educação vêm marcando e demarcando seus espaços e contribuições, no cenário das políticas públicas no Estado e no município, encontram nos instrumentos e fluxos de encaminhamento uma das expressões do modo tradicional de conceber e operar com as práticas em saúde na ótica da medicalização do social, neste contexto, o do fracasso escolar. As situações de vulnerabilidade escolar (dificuldades de aprendizagem e repetência) são traduzidas pelas escolas como produto das condições físicas, psicológicas ou sociais dos alunos e, por isso, motivadoras dos encaminhamentos para atendimento clínico. Esse traço cultural é analisado à luz da constituição da esfera pública brasileira, da institucionalização das políticas de educação e saúde, constituindo-se na particularidade estudada, pelas suas múltiplas expressões, na reatualização de concepções do paradigma higienista que predominou nas relações entre Estado e sociedade civil, na emergência da questão social. Entretanto, na atualidade, as manifestações desse clássico fenômeno são diferentes e complexas e se processam pelo deslocamento do controle social exercido pelo Estado sobre os costumes e comportamento e moral da população, pela via da saúde, para o controle do consumo de drogas, serviços e artefatos visando à “saúde longa e perfeita”, exercida pelo mercado. Na contemporaneidade, a medicalização da vida social é um fenômeno que invade os espaços públicos e privados, mediada por novas inflexões da indústria do consumismo, que captura para a lógica do mercado as necessidades de saúde da sociedade. Neste contexto, o fracasso escolar é um campo potencial de investimentos à medida que é concebido como uma patologia, passível de ser tratada e curada por meio de intervenções terapêuticas e medicamentosas. Conclui-se que as condições de vulnerabilidade escolar atuais, apesar de suas especificidades, espelham a “condição” de vulnerabilidade social a que a população brasileira está exposta, considerando tais configurações do sistema do capital e de sua globalização, o que demanda um amplo debate societário acerca de seus efeitos para o conjunto da população brasileira, no qual trabalhadores da saúde e da educação têm muito a contribuir.
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Social policies for health and education represent fields of action and knowledge of public and strategic relevance, considering their effects in the quality of life of Brazilian population. As they are social rights, they convey political disputes and instances of direct intervention of public state power and society, interconnecting social needs, which are demanded by the population, and the ways of referring and affording them by the State. School and health programs are devices of direct execution of these policies, having availability to population as their main objective by means of their services. This thesis studies the inter-institutional relationship established by the School Health Program and schools of the city of Porto Alegre, configuring their demands for assistance and their referring fluxes. We tried to know the criteria and the respective ideological and political understandings by which schools define the situations of school vulnerability and the way they refer their students towards assistance in the public net, represented in this study by Nascas (Center of Attention to the Health of Teenagers and Children). We used triangulation of resources to produce data (document research, group interviews, and profile configuration) and, as an analytical strategy; we crossed quantitative and qualitative data by means of contents analysis and measurements of performance at school. This study comprehends eight district Nascas in Porto Alegre, using group interviews with their technicians. The analysis of referring contents of schools, as well as the elaboration of school profiles, was performed at a specific Nasca selected as a sample for this work. The multiple metamorphoses by which health and education have marked and defined their fields and contributions in the scenery of state and municipal public policies, have their fluxes of referring as a traditional way of conceiving and operating practices of health in the point of view of the medicalization of the social, which means school failure in this context. The cases of school vulnerability (failure and difficulties in learning) are conveyed by schools as a result of physical, psychological and social conditions of their students and, for this reason, motivate referring to clinical assistance. This cultural feature is analyzed by the constitution of Brazilian public context, institutionalization of education and health policies in the specificity studied, by their multiple expressions, updating conceptions of hygienist paradigm which prevailed in the relationship between the civil society and the State, in the emergence of the social issue. However, nowadays, the forms of this traditional phenomenon are different and complex and proceed by the displacement of the social control exerted by the State over the customs and moral behavior of the population to the control of drugs consumption, services and devices aimed at the “ perfect and long health “ exerted by the market. Contemporarily, the medicalization of social life is a phenomenon that invades public and private sceneries, mediated by new inflections of the industry of consumption which confine the health needs of society to market rules. In this context, social failure is a potential field for investments as long as it is conceived as a pathology which might be treated and healed by means of medicinal and therapeutic practices. We conclude that the current conditions of school vulnerability, in spite of their particularities, mirror the condition of social vulnerability to which the population of Brazil is exposed, in regard to the configurations of the capitalist system and its globalization, thus requiring an extensive society debate about its effects for the entire Brazilian population in which workers of the fields of health and education have much to contribute. | en_US |